A aplicação do Direito como garantia do bem comum
- Comunello & Rohden
- 11 de fev. de 2020
- 3 min de leitura

“O poder se mantém ou pela força ou pela farsa.” Esta frase atribuída a Napoleão apresenta com sintética crueza a realidade última com que se encobrem os embates nesta ou em qualquer outra ordem social. Coisas do passado? Paulo Bonavides insiste que não, quando afirma que nosso sistema de governo concentra sob o Executivo, faculdades cuja amplitude extrapola a esfera dos mecanismos constitucionais de ação e poder. Não foi outra a manifestação do ministro Celso de Mello em discurso ao assumir a presidência da Suprema Corte, em maio de 1997: “a irresponsável e inconsequente manipulação da Constituição pelos detentores do poder, sejam magistrados, legisladores ou administradores, deforma a vontade soberana do poder constituinte, conduzindo à própria erosão da consciência constitucional”.
Bonavides defende um Judiciário no qual atos “de administração de magistrados e tribunais tivessem transparência e visibilidade perante a nação, e nenhum órgão do Estado, inclusive o Judiciário. conservasse imunidade à fiscalização da cidadania e do corpo social”. Já defendemos aqui mesmo que esta mudança passa tanto pelo fortalecimento do Judiciário, quanto por transformá-lo em fiador da aplicação da lei maior, em garantidor dos direitos constitucionais dos cidadãos.
“Garantista,” define Ferraioli, é todo o sistema jurídico que se ajusta normativamente a este modelo - garantia dos direitos constitucionais do cidadão - e o satisfaz de maneira efetiva. Uma Constituição, afirma o festejado autor, “pode ser avançadíssima pelos princípios e direitos que sanciona e, entretanto, não passar de um pedaço de papel se carece de técnicas coercitivas - quer dizer, de garantias - que permitam o controle e a neutralização do poder e do direito ilegítimo.
O Judiciário, pela aplicação efetiva da norma, tem responsabilidade supletiva ao Legislativo que a criou, pois o direito vive para se realizar, e a sua realização consiste na aplicação aos casos concretos. Esta interpretação e aplicação da lei formal no mundo real apresentam, no entanto, crescente dificuldade, em face da multifacetada e complexa sociedade de nosso tempo. Como ensina Ferrara, o juiz terá de adaptar a norma abstrata a situações fáticas cada vez mais controvertidas, tendo que subsumir o caso aos princípios exatos que o governam, daí escolhendo quais deve aplicar na hipótese. Ora, essa atividade não é simples, pois a todo caso singular não é aplicável uma só disposição, mas um conjunto de disposições combinadas, reagindo umas sobre as outras.
A aplicação consciente do Direito consiste pois, na cooperação de várias leis, onde se produz o resultado complexivo. A “arte da decisão” é sem dúvida o ápice da garantia de realização do bem comum, objetivo ao qual estas instituições devem sua existência. Para concretizá-lo, não basta conhecer profundamente o direito, sabendo traduzi-lo em realidade. O julgador deve utilizar conhecimentos extrajurídicos, verdades naturais, princípios psicológicos, regras de comércio ou da vida social que compõem este inesgotável repertório de noções do saber humano. Pasquale Voci, insigne romanista italiano, apregoa que esta dupla estrutura de conhecimentos, da técnica jurídica e da vida, aplicáveis à arte de decidir, são resquícios dos jus imperium, prerrogativa de livre “jurisdição” de que eram dotados os praetores romanos no início da era cristã.
Portanto, é ao mesmo tempo prerrogativa, desafio e destino, de uma instância que desde os arcontes gregos, como nos conta Fustel de Coulanges, tem sido, a despeito de todos os desvios e desatinos, a guardiã do processo civilizatório.
Luigi Comunello
luigi@advocaciacr.com.br
Contador e Administrador de Empresas formado pela UFRGS e Advogado formado pela Ulbra, com cursos de extensão em: a) Direito Comparado Brasil/Itália (PUC/RS); b) Direito Tributário (PUC/RS-IET).
* Publicado originalmente em Revista Causa, editoria Opinião em dezembro de 2006.
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